Tenho saudade dos dias sãos, daqueles em que me sinto uma pedra precipitada sobre o mar. Lá imagino-me nu, sentindo no corpo as delicias dos dias e das noites que em mim se acumulam formando um mármoreado de qualidades e fraquezas. De mim, para que eu parta, levam a essência do que sou, para que noutros lugares, outras a ganhem, que melhor viagem se pode fazer? Pensar que eu, aquela pedra, conhecia todos os cantos da Terra, que pela minha porosidade passaram e passam os aromas do mundo que já foi e que é. Nascer do magma, minha mãe, e ver o mundo mudar ao ritmo do meu pai, o tempo. Ele que me ensina a amar tudo através das suas mãos fortes no carácter mas benévolas nos movimentos. Quem me dera cheirar noutros tempos, naqueles que em mim se depositam e me formam. Naqueles onde em meu redor existia mais verde e azul, onde os animais corriam soltos e as baleias esguichavam ao largo da costa, uma época onde a Natureza, era mulher fogosa com voz de espuma de ondas sussurrando aos nossos ouvidos, de cabelos longos e despida, perfumada com mais vida, sempre pronta a arrasar, fosse de noite ou de dia. Que sorte tinha se fosse pedra sobre o mar! Não morria de sede pois teria a chuva e a brisa do mar. Os dias são todos diferentes assim como as nuvens que vejo passar. À noite contaria as estrelas, e ainda teria muito que contar. Existem tantas coisas por fazer, que uma vida mesmo como pedra podia não ser capaz de acabar. Às aves do céu reconheceria nos seus jeitos de voo um antepassado seu que muitas vezes fizeram ninho no meu regaço, as árvores e arbustos, lembraria mesmo o dia em que, ainda sementes, o meu pai me disse para lhes cuidar, ao homem, se pudesse, narraria histórias sobre os seus antepassados, que os vi aprender a andar depois de saírem de dentro da água do mar e que mais tarde, muito mais tarde, vieram viver aqui para uma gruta perto e que por vezes sentavam-se sobre mim a admirar os relâmpagos sobre o mar. Podia contar também aquela historia do veado que fugindo dos homens tropeçou em mim e caiu lá em baixo. Muitas destas historias teria, para preencher todos os livros do mundo, mesmo não tendo dado um passo. Digo-vos apenas que hoje tenho como vizinhos uma raposa que também gosta de vir sentar-se sobre mim para observar em redor o movimento das suas presas e deitar-se ao sol e quando esta não está, pousa aqui um verdelhão que, como por desafio, canta por breves instantes. Qualquer destas historias podiam muito bem acontecido, mas só a pedra precipitada sobre o mar saberá da sua veracidade mas não é difícil imaginar, e para isso não é preciso sair do sitio, pois assim como uma pedra, nós também somos feitos de compósitos, mas para os vivermos precisamos de estar num lugar. É por isso é que eu tenho saudades de estar no sitio onde me sinto uma pedra precipitada sobre o mar.
A baixa resolução pretende ser um espaço de pensamentos "desmundanos". O ser humano tem uma visão de baixa resolução para com o mundo. Este blog é apenas um dos pontos.
segunda-feira, novembro 16, 2009
Sítio da pedra precipitada sobre o mar
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